É certo que o hype por 'Sherlock Holmes' já passou, mas o 'red carpet' não podia deixar pairar incerteza sobre o filme de Guy Ritchie. Na altura do seu lançamento, muitas foram as críticas ao Holmes do realizador, que tinha muito músculo e acção, o oposto da imagem criada até então do detective. Ritchie e Robert Downey Jr. contra-argumentavam que a personagem estava fiel aos livros, sem alcançarem grande convencimento junto das mentes mais iluminadas. Pois bem, nada melhor que uma visita à prosa original de Sir Arthur Conan Doyle para retirar quaisquer dúvidas. Refira-se, para quem não souber, que a história é contada pela perspectiva do Dr. Watson, no livro que relata a altura em que conheceu Holmes. As conclusões ficam ao critério do leitor.
« Evidentemente, a convivência com Holmes não era difícil. Tinha hábitos tranquilos e regulares. Era raro vê-lo a pé depois das dez horas da noite e invariavelmente já preparara o seu pequeno-almoço e saíra quando eu me levantava da cama. Às vezes passava o dia no laboratório químico, outras, na sala de dissecação e ocasionalmente em longos passeios, que pareciam levá-los aos bairros mais sórdidos da cidade. Nada era capaz de ultrapassar a sua energia quando tomado por um acesso de actividade.
À medida que as semanas passavam, o meu interesse por ele e a minha curiosidade quanto aos seus objectivos de vida iam gradualmente aumentando em extensão e profundidade. Até o seu físico era tal que despertava a atenção do mais descuidado observador. Quanto à estatura, passava de um metro e oitenta, mas era tão magro que parecia mais alto ainda. (...) As mãos andavam invariavelmente salpicadas de tinta e manchadas por substâncias químicas, mas possuíam uma extraordinária delicadeza de tacto, como frequentemente tive ocasião de notar ao vê-lo manipular os seus frágeis instrumentos de alquimista.
(...)
Holmes não estudava medicina. (...) Contudo, o seu zelo por outros estudos era notável, e, dentro de limites excêntricos, o seu conhecimento era tão extraordinariamente amplo e minucioso, que as suas observações me causavam grande espanto.
(...)
Enumerei mentalmente todos os diversos pontos sobre os quais se revelara excepcionalmente bem informado. Servi-me mesmo de um lápis e fui-os anotando. Não posso deixar de sorrir ao ver o documento resultante das minhas observações. Ei-lo:
Conhecimentos de Sherlock Holmes
1. Literatura: zero.
2. Filosofia: zero.
3. Astronomia: zero.
4. Política: escassos.
5. Botânica: variáveis. Conhece a fundo a beladona, o ópio e os venenos em geral. Nada sabe sobre jardinagem e horticultura.
6. Geologia: práticos, mas limitados. Reconhece à primeira vista as diversas qualidades de solo. No regresso dos seus passeios, mostra-me manchas nas calças e diz-me pela sua cor e consistência em que parque de Londres as apanhou.
7. Química: profundos.
8. Anatomia: exactos, mas pouco sistemáticos.
9. Literatura sensacional: imensos. Parece conhecer todos os pormenores de todos os horrores perpetrados neste século.
10. Toca bem o violino.
11. É habilíssimo em boxe, esgrima e bastão.
12. Tem um bom conhecimento prático das leis inglesas. »
(Sir Arthur Conan Doyle, "Um Estudo em Vermelho", pp.13-16)
2 comentários:
Concordo!
É realmente irritante ouvir diversas mentes iluminadas, criticar este filme com o argumento de que isto não tem nada a ver com o "verdadeiro" Sherlock Holmes.
Primeiro, espanta-me ver que entre nós existem tantos apaixonados pelos livros de Sir Arthur Conan Doyle que tenham o conhecimento de causa para criticar com base neste argumento.
Segundo, como esse argumento não é válido - uma vez que de facto Holmes era um especialista em artes marciais e não um pacifista, como outras adaptações parecem sugerir - parece-me que criticar o filme com base neste argumento, demonstra um autêntico incapacidade para dizer algo válido e original sobre o filme e aquilo que significou para quem o viu.
Eu, fiquei, absolutamente rendido à personagem elaborada por Downey Jr., que graças ao seu talento e características ímpares enquanto actor, conseguiu potenciar todo o seu talento criando um genial, excêntrico e brilhante personagem.
Mal posso esperar por mais e mais sequelas, se possível com o regresso de todos os envolvidos no primeiro.
Abraço!
As minhas desculpas, só agora reparei no comentário... Obrigado pela visita!
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